quarta-feira, 13 de julho de 2016

A NOSSA CASINHA OU A BREVE ESTÓRIA DE UNS OUTSIDERS.

«A próxima música chama-se Casinha, que vou tentar cantar» - Tim, ‘1.º de Agosto no Rock Rendez Vous’ – 1986.

O termo ‘casinha’ é sobretudo um termo emocional que serve para descrever a relação afetiva com a nossa própria casa que, no fundo, mais não é do que uma extensão de nós próprios, é o nosso espaço, é o nosso “cantinho”. Foi esse o caráter emocional que Silva Tavares quis dar quando escreveu A minha Casinha e que se tornou célebre, pela primeira vez, em 1943 quando foi interpretada por Milú no filme O Costa do Castelo. Esta música surge, inicialmente, na banda dos Comendadores do Rock: Tim, Kalú, Zé Pedro, Gui e João Cabeleira porque, a dada altura, nos ensaios, enquanto o Kalú montava a bateria, os restantes elementos tocavam o tema na “brincadeira”. Tema esse que, entretanto, se tornou fundamental nos concertos dos Xutos & Pontapés, porque quando já não havia mais nada para tocar tocava-se então A minha Casinha. O lançamento da música (13 de novembro de 1987) em single também não deixa de ser interessante. Os Xutos vinham com um ano cheio, desde o lançamento em fevereiro, desse mesmo ano, do seu Circo de Feras onde estavam os Contentores, que era cantado por todo o País. A banda, nessa altura, preparava, sem a editora saber, o próximo álbum: 88. Com a ‘explosão’ dos Contentores a editora pretendia lançar esse single no final de 87, para alavancar ainda mais as vendas do Circo de Feras, no Natal. Os Xutos recusaram, mas também não queriam lançar nenhum dos temas previstos para o 88, feito em segredo, sugerindo, então, um tema outsider: A minha Casinha, ao qual a própria editora, inicialmente, mostrou-se um pouco cética e acabando apenas por lançar 500 cópias em cassete.

A música foi crescendo, em uníssono, nos concertos do saudoso Rock Rendez Vous. Algo estava a nascer, mas nem os Xutos nem as primeiras pessoas que ouviram A Minha Casinha podiam imaginar que este tema se iria tornar naquilo que é hoje… Tal como também ninguém imaginava, no domingo passado, que o Éder iria saltar do banco aos 79 minutos para marcar o golo que viria a dar o Campeonato da Europa a uma Seleção que, tal como A Minha Casinha, era uma outsider face às principais favoritas.


Como também ninguém imaginava que, não obstante a grande produção (com um budget à partida considerável) de um filme, com modelos, filmado em Paris, alterando um brilhante tema de Pedro Abrunhosa, que este viria a ser substituído por outro tema tão popular. Corrijo, substituído não, adotado. Adotado por muito mais que onze milhões. Porque A Minha Casinha, tal como a participação da Seleção Portuguesa neste Europeu, esteve ligada a grandes e fortes laços emocionais, não adulterados e, sobretudo, genuínos. Tão genuínos como as lágrimas de Ronaldo. Tão genuíno como quando este “mandou” Moutinho marcar a grande penalidade. Tão genuíno como quando Fernando Santos, o Engenheiro das Emoções, afirmou que só voltava dia 11 de julho, e que ia ser recebido em festa com a Taça debaixo do braço. E tão, mas tão genuíno como os emigrantes acampados em Marcoussis ou em efervescência nos estádios franceses, efervescência essa que começava aos primeiros acordes d’ A Minha Casinha. A UEFA tinha confirmado (no primeiro jogo contra a Islândia) que estava ali o hino que iria simbolizar a campanha de Ronaldo e Companhia, sendo tocada pela última vez quando se levantou o “Caneco”. 

Porque a nossa casinha, mesmo sem grandes produções, é isto: alegre, modesta, mas que se pode, também, revelar como surpreendente pela sua ambição. É a marca e a representatividade de uma Portugalidade atual, universal e multigeracional e que não teme em gritar: «Siiiiiiiiiiiiiimmm».

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